ACIDENTE VASCULAR CEREBRAL ( AVC )

O Acidente vascular Cerebral(AVC) é uma das piores complicações da Anemia Falciforme. Cerca de 5% a 10% das crianças com AF desenvolverão AVC, principalmente durante a primeira década da vida. A prevalência de AVC em pacientes com AF é de 9,1% no Brasil (20).

Em 228 pacientes com AF, matriculados num hospital do Estado do Rio de Janeiro, de 1960 a 1994 22 (9,6%) tiveram Acidente Vascular Cerebral (AVC). A idade variou de 1 a 42 anos; média de idade: 12,2 anos. 18/22 pacientes (81%) tiveram AVC com menos de 15 anos de idade; 81% dos pacientes que apresentaram AVC tinham menos de 15 anos de idade.(Gallo da Rocha, trabalho em publicação).

Havia 6 pacientes com SBeta Talassemia e nenhum desses pacientes apresentaram AVC. Dos 17 pacientes com Hemoglobinopatia SC, nenhum apresentou AVC.

O AVC pode ser devido a numerosos fatores fisiopatológicos diferentes ou a uma lesão cerebral progressiva: os infartos cerebrais ocorrem mais em crianças; nos adultos predomina a hemorragia (40).É importante saber se a criança tem apnéia noturna, definida pela mãe como roncos, geralmente devido a aumento das adenóides e amígdalas palatinas. Um estudo feito no Rio de Janeiro foi notado uma maior prevalência de hipertrofia amigdaliana em pacientes com AF do que na população geral (41). Isso já havia sido descrito anteriormente e levantou-se a hipótese da relação das apnéias noturnas com hipoxia cerebral noturna e incidência de AVC.(5)

A associação de síndrome torácica aguda e a ocorrência de AVC foi descrita recentemente (42 ). O nível baixo de hemoglobina e a contagem maior de granulócitos e plaquetas tem sido apontadas como fatores de risco para AVC(5). Não encontramos, no trabalho feito no Rio de Janeiro, diferença estatisticamente significativa quanto a esses níveis, discordante do trabalho da Jamaica, porém de acordo com o trabalho dos EUA (40).

A taxa de recidiva, isto é, de outros episódios de AVC nos nossos pacientes foi de 30% , um pouco menor que na Jamaica com uma taxa de 46% ( 5).

No trabalho acima relatado (Gallo da Rocha; em publicação) em que foram estudados 252 pacientes com DF o AVC só ocorreu nos pacientes com AF (SS) e não nas outras populações de pacientes com DF, (Hemoglobinopatia SC; S Beta Talassemia e Hemoglobinopatia SD).

Os pacientes com AF que desenvolvem AVC geralmente o fazem no início da infância. Powars em 1978( 43 ) registrou uma média de idade de 7,7 anos no primeiro episódio de AVC em 35 pacientes com AF que desenvolveram AVC. Sarnaik ( 41) relatou uma média de idade de 6 anos entre 48 pacientes estudados. Serjeant descreveu (5) que a média de idade era de 4,8 anos aos 14 anos com 83% dos eventos ocorrendo entre 3 e 10 anos.

Na nossa casuística a idade variou de 1 a 42 anos, com uma média de idade de 12,2 anos; 81% dos pacientes que apresentaram AVC tinham menos de 15 anos de idade.

A pesquisa clínica por questionamento a 62 pacientes adultos ou mães de crianças que tiveram AVC, resultou no registro dos seguintes sintomas e sinais neurológicos:

Hipoacusia: descrita na AF com várias hipóteses na tentativa de explicá-la. A mais aceita é que seria secundária

Não houve diferença estatisticamente significativa entre o grupo de pacientes com AVC e a população geral dos pacientes com AF com relação à contagem de plaquetas, nível de hemoglobina ou percentagem de HbF. Foi feito um estudo de questionamento dos pacientes, paralelamente ao estudo retrospectivo acima relatada (Gallo da Rocha, trabalho em publicação). Esses pacientes foram questionados quanto aos sintomas neurológicos: 1 paciente de 25 anos, sexo feminino relatou anestesia na região mentoniana sintoma esse que perdurava por cinco anos, cuja origem foi atribuída a uma lesão no vasa nervorum do ramo inferior do nervo facial.

Cefaléia: As cefaléias geralmente são relatadas como severas. Na nossa pesquisa clínica- questionamento, 6,4% dos pacientes apresentaram cefaléias severas.

Crises convulsivas: Dois casos ocorreram após AVC. Outros 9 pacientes apresentaram- nas como manifestação neurológica isolada. Todos os 9 pacientes apresentavam ataques tipo grande mal epiléptico.

Demência e torpor mantidos: Ocorreu em 1 paciente (1,6%) 6 meses após o primeiro AVC, durante a evolução de um segundo AVC. Havia comprometimento neurológico importante e grande área de necrose cerebral. Estava em tratamento com regime de hipertransfusão.

Neuropatia Periférica: É rara na AF e relacionada a intoxicação pelo chumbo(5 ) em alguns casos. Na nossa casuística uma paciente de 62 anos de idade, com hemoglobina (Hb) de 6g/ dl, contagem de plaquetas de 291 000/mm3, queixava-se de parestesias nas mãos há cerca de dois anos. Não tinha soropositividade ao HIV nem ao HTLVI e II , porém o tinha à Hepatite C. Não se submeteu à biópsia de nervo.

As crianças com AF que sofrem um episódio de AVC geralmente recebem um regime de transfusões crônica para impedir recidivas(45 ). Os riscos de transfusão são a aloimunização que ocorreu em 20% dos pacientes em regime de hipertransfusão (HP).

Fisiopatologia:

O infarto geralmente ocorre devido à lesão de grandes artérias cerebrais. A alteração mais comum à arteriografia é o estreitamento acentuado ou oclusão completa das artérias: carótida, cerebral média e/ou anterior. O acometimento múltiplo, bilateral de vasos é comum, mesmo em pacientes com sinais unilaterais. O estreitamento do vaso é conseqüência da proliferação da média e da íntima. O endotélio irregular pode servir como foco para a adesividade plaquetária ou de células afoiçadas e formação de trombos. O evento completo ocorre quando o vaso é totalmente ocluído por trombo ou êmbolo ou quando o estreitamento é tão importante que compromete o fluxo distal. O espasmo de vasos ou pequenos êmbolos pode levar à sintomas neurológicos transitórios. A membrana celular alterada pode levar a um aumento da possibilidade trombogênica.

A hemorragia intracraniana pode ser intracerebral ou sub aracnóide e geralmente é o resultado de ruptura de um aneurisma do polígono de Willis. A hemorragia intracerebral pode também ocorrer, algumas vezes anos mais tarde, em pacientes que tiveram um infarto cerebral prévio.

 

Markus Schmugge, Hannes Frischknecht, Yasuhiro Yonekawa, Ralf W. Baumgartner, Eugen Boltshauser, and James Humbert

From the Departments of Hematology and Neurology, University Children's Hospital, Zürich; and the Departments of Neurosurgery, Neurology, and Pediatrics/Hematology-Oncology Unit, University Hospital, Geneva, Switzerland.

An 11-year-old boy with hemoglobin sickle disease (HbSD), bilateral stenosis of the intracranial carotid arteries, and moyamoya syndrome had recurrent ischemic strokes with aphasia and right hemiparesis. His parents (Jehovah's Witnesses) refused blood transfusions. After bilateral extracranial-intracranial (EC-IC) bypass surgery, hydroxyurea treatment increased hemoglobin F (HbF) levels to more than 30%. During a follow-up of 28 months, flow velocities in the basal cerebral arteries remained stable, neurologic sequelae regressed, and ischemic events did not recur. This is the first report of successful hydroxyurea treatment after bypass surgery for intracranial cerebral artery obstruction with moyamoya syndrome in sickle cell disease. The patient's religious background contributed to an ethically challenging therapeutic task.

Diagnóstico:

Os meios mais aceitos para fazer-se o diagnóstico são a ressonância magnética e a tomografia com emissão de pósitrons (46). A T.C. (tomografia computadorizada) sem contraste pode estar normal no início do quadro, mas é útil para o diagnóstico diferencial com hemorragia, abcesso, tumor ou outras alterações. Se o exame é realizado 2 à 7 dias depois do AVC pode demonstrar edema da área infartada. Em alguns pacientes a injeção de contraste pode ser necessária para visualizar a lesão.

A punção lombar só poderá ser realizada nos casos em que a T.C. ou a ressonância magnética (RM) não apresentarem evidências de hipertensão intracraniana. A punção lombar pode ser útil na detecção de hemorragia ou infecção.

A arteriografia não é necessária para se confirmar infarto cerebral demonstrado por T.C. ou R.M., mas pode ser útil no esclarecimento diagnóstico de um paciente sintomático com T.C. e R.M. normais. Para se realizar uma arteriografia cerebral é importante que o paciente seja adequadamente hidratado e tenha seu nível de HbS reduzido a menos de 30%, além de uma supervisão adequada. A arteriografia geralmente não é necessária para pacientes com outras queixas neurológicas como cefaléias persistentes, síncopes ou convulsões. Entretanto estes pacientes devem ser examinados pelo neurologista e podem necessitar de T.C. ou R.M.

Os pacientes com episódio isquêmico transitório, devem ser submetidos a T.C. ou a R.M. Se estas estiverem normais, deve-se proceder a uma arteriografia.

Tratamento:

Prevenção de Recidivas de AVC:

As recidivas ocorrem em pelo menos 2/3 dos pacientes que não são cronicamente transfundidos, mantendo-se o nível de HbS < 30%.

A duração da terapia transfusional é discutível. O risco de recaída é maior nos primeiros 3 anos após o evento inicial.

Muitos centros transfundem os pacientes por 3 a 5 anos e então diminuem a intensidade de transfusões. Outros transfundem por um tempo mais prolongado e usam terapia quelante de ferro (desferrioxamina) para prevenir sobrecarga de ferro. Sempre se acreditou que os sintomas neurológicos que ocorrem durante a terapia transfusional podem ser devido à dificuldade em se manter o nível de HbS a menos de 30% ou à alteração neurológica de base. A terapia transfusional inadequada pode ser devida à freqüência inadequada de transfusões, desenvolvimento de alo ou de auto anticorpos ou perda sangüínea, A aloimunização ocorreu em 20% dos nossos pacientes em regime de hipertransfusão (HP). Há trabalhos que relatam recidivas logo que se pára as transfusões(48). Dois de nossos pacientes em pleno regime de HP fizeram outro episódio de AVC.

A eficácia da terapia profilática de recidivas de AVC, com ácido acetil salicílico em pacientes com AF não está comprovada até o momento.

O incremento de anemia nos pacientes com AF aumenta o risco de AVC, já que essa situação proporciona um aumento de fluxo e velocidade sangüínea que leva a um stress na parede endotelial dos vasos além dos episódios vaso oclusivos que terminam em uma circulação colateral conhecida como moya moya , que significa ‘baforada de fumaça"em alusão ao aspecto arteriográfico dessas oclusões associadas às colaterais (5).

A partir de uma publicação em novembro de 1999, tomamos conhecimento que o uso da Hidroxiuréia em pacientes com AF e AVC está sendo conduzido e nesse artigo há a pretensão dessa forma de tratamento como uma das alternativas ao regime de hipertransfusão (49).